Para ela.

Porque a saudade não cabe em mim eu me extrapolo, escrevo.

Quando eu tinha 5 anos e, pela primeira vez, experimentei a distância física, geográfica, sonhava repetidamente um sonho. No sonho, eu estava numa estação de trem, esperando ela chegar… Às vezes, não dava tempo de encontrá-la (eu acordava antes), em outros eu chegava a vê-la. Não me lembro se em algum sonho foi possível abraçá-la, embora o desejo fosse imenso, em sonho e acordada. Já a estação era sempre iluminada, sempre dia, sempre sol.  Acho que nossa história, nossa vida, sempre foi isso que o sonho representava: encontro, encontro dos bons, dos melhores. É verdade que certas pessoas despertam o que há de melhor em nós. Essas pessoas nos colocam em contato com algo de divino. O amor é meio divino. Ainda esses dias escrevi (e aqui repito porque sinto) que fica difícil colocar em palavras certos sentimentos, certas relações… Porque estão além da possibilidade de expressão das palavras; é como se para elas, ainda não existisse nome. Não pensamos nem traduzimos, sentimos. Minha mãe costuma dizer que “coração é terra onde ninguém pisa”, no sentido de que o amor não se explica… Também esses dias, conversando com uma grande amiga, ela me dizia, consciente, que certo é que tantas coisas, no tempo da vida, passam… Lugares, pessoas, momentos, contextos. E então eu pensei que, graças a Deus, certas coisas permanecem… Tão profundo, tão parte de nós, ou melhor, tão todo de nós. O tempo é finito. Os dias às vezes passam devagar. O tempo de uma vida passa rápido. E dentro de nós, certas pessoas e sentimentos permanecem e nos fazem ser quem somos. Certas coisas não mudam. Olhei para ela, já com 81 anos, e perguntei, meio surpresa: “Passou rápido a vida, não passou?”.

“Mesmo com todas as coisas esquecidas entre nós, até o apagar das velhas rendas coloridas eu te amo, nos nomes escritos no chão, nos riscos de vidro na pedra, acontece nas manhãs que eu não vejo o seu caminho, acontece nos caminhos em que ando só, sopro as nuvens que escondem as estrelas de guiar…”

Engraçado que crescemos pensando em “o amor da vida” como o amor conjugal… E vivendo podemos descobrir que o amor da vida pode ter outras formas, pode habitar outros lugares pessoas. O amor da minha vida.

Esses dias ouvi “Vivemos o tempo como se ele fosse infinito”.

De você eu sempre senti saudade e sempre vou sentir. Aceitamos e aprendemos a conviver com certas coisas que vão dentro de nós. Eu te amei desde que te conheci e sigo te amando todos os dias. Eu sempre te liguei, sempre fui na sua casa que era minha também, sempre te mandei carta, cartão postal; pra você sempre contei as coisas mais engraçadas e os grilos mais dramáticos. Pena que não dá mais pra te telefonar, mandar cartão, fax… Busco outras formas e sigo tão em contato; seguimos como sempre estivemos: juntas… Ainda que numa outra linguagem.

Ainda sobre o tempo, o poeta escreveu, doído, bonito:

“No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a.olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui…
A que distância!…
(Nem o acho… )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes…
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio…

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos …
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim…
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes! …”

Não me lamento. Aceito o tempo que não volta e algumas outras coisas inegociáveis da vida. Aceito o finito. “A vida é pra valer”. Você vive em mim. Gosto de te imaginar em outros ares, outras paisagens. Você que sempre teve mais o que fazer. Repito como oração o que você me disse e o choro é de emoção. Porque entre nós sempre foi certeza… Certeza, alegria, amor e saudade.

4 respostas para “Para ela.”

  1. Para ela, para você, para saudade, para o tempo … pessoas e coisas que salvam vidas e quanto amor cabe em uma vida?
    Uma vez você postou um vídeo lindo dela dançando … continuaremos a dançar. 🌹❤️

    Curtir

Deixe um comentário