Elizabeth Bishop

Eu não sei ler poema. Quase não leio este tipo de texto. Falta de capacidade de análise, talvez. Eu gosto das entrelinhas, mas as entrelinhas dos poemas raramente consigo captar. E tem uns que não dizem nas entrelinhas, falam bem escancarado mesmo e eu prefiro estes. E também aqueles que falam do cotidiano. Falam do melão que você comeu depois do almoço, mas falam de um jeito tão bonito que chego a ficar desconcertada. Outro dia, a vizinha do andar de cima deixou um livro de poesia na minha porta; era de um poeta português chamado Mário de Sá-Carneiro. Enrolei para ler, dei-me a desculpa que o livro tinha que ficar de quarentena até eu poder chegar perto. Enfim, chegou o dia em que o abri e li tudo, assim, de rajada. Como quando a gente é criança e precisa tomar aquele xarope que tem um gosto ruim pra caramba e aí a gente vira a colher, ou o copo, num gole só, rápido assim, para acabar logo com aquilo. Não gostei do que li. Ode à auto depreciação. E eu nem tenho nada muito contra a auto depreciação.

No entanto, vez ou outra, acontece de eu ler alguma coisa que fica ecoando… Vai e volta e eu me pego pensando nas palavras, nas frases…

Já agora faz bastante tempo que li um poema da Elizabeth Bishop. É um dos seus mais conhecidos. E não concordei com o escrito. E ficou em mim. Pensando melhor agora, gosto de pensar que, diante de tantas perdas sofridas – porque parece que ela sofreu muitas perdas na vida – ela estava era bem revoltada e bem cínica e irônica quando colocou no papel as palavras. A respeito da Bishop, vi um filme nacional lindo em que parte da vida dela foi retratada. Ela, norte-americana, viveu durante um tempo no Brasil, teve uma relação amorosa com a Lotta de Macedo Soares. Inclusive, no poema em questão, quando ela diz que perdeu 2 ou 3 casas, uma destas casas foi aquela em que viveu com a Lotta. A maravilhosa Lotta foi arquiteta, paisagista, e a casa em que viveram era deslumbrante, no interior do Rio de Janeiro, acho eu. A casa existe até hoje. E a Bishop chegou a comprar uma casa para ela em Ouro Preto. E esta casa também existe até hoje. Ao contrário de como as coisas foram colocadas no poema, imagino o quanto ela deve ter sofrido quando perdeu esses lugares-pessoas… A gente simplesmente não “tem” perdas; acho curioso quando alguém diz “tive uma perda”. As perdas não são tidas ou não tidas, as perdas são sofridas. Flores Raras é o nome do filme.

Na sequencia, segue o poema. E agora, na releitura, ele fala carinhoso comigo.

Ladies and Gentleman, please raise your glasses, to the poem One Art.

A ARTE DE PERDER

A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.

Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subseqüente
Da viagem não feita. Nada disso é sério.

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.

(tradução de Paulo Henriques Britto; poema retirado do seguinte site: www.escritas.org)

6 respostas para “Elizabeth Bishop”

  1. Gostei muito da atitude da vizinha em deixar um livro na porta, achei maravilhoso. Sobre poemas e poesias, ainda não tenho o costume de ler, mas me interesso muito. Como pode escrever tão bem? Você nos toca de uma forma incomparável com suas palavras. Parabéns cous!

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    1. Oi, tia! Que bom que você gosta do que lê por aqui. Eu gosto mesmo desta poesia que compartilhei… Acho que ela mostra Uma outra forma possível de olhar para as perdas sofridas e para aquilo de que abrimos mão quando escolhemos outra coisa ao invés daquilo.

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